- Sandra Carvalho
Água parada marca a Amazônia desmatada
Lagoas, poças, várzeas e represas aparecem mais na paisagem que rios e córregos.

As águas da Amazônia já não são as mesmas. Há cada vez mais águas paradas - lagoas, poças, várzeas e represas nas áreas desmatadas. Peixes, pererecas e rãs que se dão bem nesses ambientes estão proliferando por ali.
Trata-se de um processo de mudança de habitat provocado direta ou indiretamente pela ação humana (leia-se agropecuária), que pesquisadores da USP chamaram de lentificação. Eles estudaram a região do Alto Xingu, no Mato Grosso, para mapear a mudança.
O que cria essas águas paradas e muda a biodiversidade na Amazônia desmatada no Alto Xingu? Para os pesquisadores, a região sofre muito o impacto do represamento dos rios para formação de reservatórios permanentes de água para o gado, e também da formação proposital de lagoas para a criação dos animais.
O estudo foi publicado no jornal Perspectives in Ecology and Conservation. Os pesquisadores definem a Bacia Amazônia como a nova fronteira hidrelétrica brasileira, com 154 barragens hidrelétricas em operação, 21 em construção e 277 planejadas.
Só no Alto Xingu há 10 mil pequenas barragens para fornecer água para o gado e gerar energia elétrica para consumo local. Os reservatórios que se formam, diz o estudo, têm as características da lentificação, das correntes mais lentas às temperaturas mais altas na superfície.
"Tanto as grandes barragens quanto as pequenas alteram o regime de escoamento das águas", afirmou o professor de Gestão Ambiental Luís Schiesari, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, coordenador da pesquisa.
A compactação do solo também pesa bastante na lentificação. Depois do desmatamento, vêm o vaivém de maquinário, as estradas, as pisadas do gado.
"A compactação do solo em área de pastagem animal é de 8 a 162 vezes maior do que em florestas, o que favorece a formação de poças temporárias", explicou Schiesari ao Jornal da USP.

Outro fator que alimenta a proliferação das águas paradas, de acordo com a pesquisa, é o aumento e a elevação das águas subterrâneas nas áreas desmatadas - o que leva à expansão das várzeas e poças associadas.
Explica-se: quando as grandes árvores da floresta são derrubadas e substituídas por capim para o gado ou plantações de soja, perde-se sua enorme capacidade de absorver a água do solo. Mais água da chuva se acumula como água subterrânea.
Com mais água represada, apareceram na região peixes como lambaris e carás, típicos desses novos ambientes. Os pesquisadores identificaram também 12 espécies de anfíbios em poças temporárias, como as rãs-cachorro (Physalaemus cuvieri).
Uma preocupação dos pesquisadores é esclarecer que as águas paradas em expansão na Amazônia desmatada nem sempre são de boa qualidade. Muitos desses ambientes são quentes, assoreados e contaminados por fertilizantes e agrotóxicos.
Para não falar que os vetores de doenças como malária e esquistossomose, comuns em áreas desmatadas, se desenvolvem em água parada.

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